Por que o dólar voltou a ficar abaixo de R$ 6?

Especialistas comentam perspectivas para câmbio e se tendência deve permanecer

O dólar voltou a fechar abaixo de R$ 6, nesta quarta-feira (22), pela primeira vez desde 11 de dezembro, quando encerrou em R$ 5,959.

A divisa encerrou em R$ 5,946, com queda de 1,41%, no menor patamar desde 27 de novembro, quando a moeda encerrou em R$ 5,914.

Por trás desse movimento, analistas ouvidos pela CNN apontam uma série de fatores. Dentre eles, a principal influência vem dos Estados Unidos: a postura adotada por Donald Trump em seus primeiros dias de seu novo mandato como presidente.

“O mercado passou a se sentir mais confortável em assumir que a retórica do presidente seria mais firme do que suas atitudes. Com alguma demora em apresentar medidas concretas relacionadas às promessas de campanha, os ativos de risco passaram a precificar um cenário mais benigno. Esse ‘benefício da dúvida’ enfraquece o dólar nesta quarta-feira”, pontuou em nota Paula Zogbi, gerente de pesquisa da Nomad.

Gustavo Trotta, sócio da Valor Investimentos, ainda destaca um movimento de entrada de dólares no país.

“Essa recente queda do dólar pode ser atribuída, de certa forma, a pelo menos esses cinco últimos pregões seguidos que a gente enxerga uma entrada de fluxo do investidor estrangeiro. Então, a gente tem mais recursos dolarizados entrando no país, que consequentemente aumenta, de certa forma, a oferta da moeda. Isso leva a uma valorização do real”, explicou Trotta.

“Além disso, um ponto super importante que a gente teve na semana passada, que corrobora com isso, foi a venda da participação da Cosan na Vale. Esse movimento gerou ali cerca de R$ 9,1 bilhões, que pode ter trazido mais dólares ainda ao país”, ponderou.

Olhando para os EUA, Cristiane Quartaroli, economista-chefe do Ouribank, destaca a atenuação em relação às tarifas de importação que devem ser aplicadas sobre os produtos vindos da China.

Durante a campanha, Trump prometeu taxas de até 60% a partir de seu primeiro dia de mandato. Na terça-feira (21), o republicano revelou que pretende aplicar tarifas significativamente menores (10%) a partir de fevereiro.

Quartaroli reforça que as atenções estão voltadas aos EUA nesta semana não só pela posse de Trump, mas também por conta de um “calendário mais enxuto” de divulgações importantes para o cenário doméstico.

Cenário doméstico

O câmbio teve sua maior deterioração após o anúncio de uma série de medidas fiscais pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

À época, além de o pacote ter sido apontado como insuficiente para estabilizar a dívida pública, a avaliação foi de que o governo errou ao anunciar uma proposta de isenção do Imposto de Renda para contribuintes que ganham até R$ 5 mil em paralelo ao esforço de contenção. O Executivo voltou atrás e adiou a discussão sobre a reforma da renda.

O cenário fiscal vem alimentando os principais temores e a percepção de risco no mercado sobre o Brasil. Porém, a expectativa de que o resultado primário de 2024 deve ter sido um pouco melhor do que o previsto tem ajudado a acalmar a situação – ao menos por enquanto -, segundo Emerson Junior, head de câmbio da Convexa.

“O déficit, que era para ser zero, chegou a ter uma expectativa de 0,25% do PIB ano passado. [Agora se espera] na faixa de 0,1%. O cenário não é bom, as contas públicas ainda estão bem defasadas, mas não está tão ruim quanto a gente tinha pintado”, avaliou Junior.

Para Márcio Estrela, consultor da Associação Brasileira de Câmbio (Abracam), a perspectiva de que o Banco Central (BC) deve seguir subindo os juros também ajuda a controlar a percepção de risco, através da ancoragem das expectativas de inflação.

Perspectivas

O dólar deve cair ainda mais, se estabilizar nessa faixa ou pode voltar acima de R$ 6? Nesse ponto, os analistas ouvidos pela CNN divergem.

É de praxe que os economistas sofram para cravar expectativas sobre o câmbio; e com a avaliação de que ainda pairam incertezas no ar, a dificuldade de apontar como será o futuro é ainda maior.

“O cenário é desafiador para 2025, com a economia brasileira ainda precisando subir juros, questão fiscal e preocupação com a elevação da nossa dívida pública. Isso tudo deixa o ambiente adverso e piora a percepção de risco. Hoje é um movimento pontual. Vamos ver como se darão os anúncios do Trump nas próximas semanas e a condução da nossa política econômica – com a próxima decisão do Banco Central e a volta do Congresso -, ainda há muita coisa para acontecer”, disse Quartarolli.

Ainda assim, a economista-chefe do Ouribank avalia que o patamar atual no qual o dólar se encontra é fruto de “um certo exagero por parte das avaliações do mercado”.

Estrela, da Abracam, corrobora com o ponto e afirma que “em dezembro houve um overshooting, com a desvalorização do real sendo muito maior do que os fundamentos econômicos justificariam. O dólar depende principalmente do desempenho do setor externo, além dos fatores internos e das expectativas”.

Na sexta-feira (17), em entrevista exclusiva à CNN, o ministro Haddad destacou incertezas no exterior por trás do mal estar na economia que, segundo sua avaliação, não é restrito ao Brasil, mas é global. Questionado sobre o momento de deterioração do real, o chefe da Fazenda indicou que “não compraria dólar acima de R$ 5,70”.

Já na segunda-feira (20), foi a vez do ministro da Casa Civil, Rui Costa, criticar o momento do câmbio. Segundo Costa, o dólar como está cotado hoje não reflete a realidade brasileira.

“Mas, acredito que com o passar dos dias e da posse do novo presidente dos Estados Unidos, e com os números robustos da economia brasileira, o dólar vai voltar ao patamar, eu diria, que tenha reflexo na vida real da economia”, pontuou o ministro.

Seja um exagero ou não, fato é que os olhos dos investidores pairam sobre as contas públicas. Zogbi, da Nomad, reforça que o mercado continua no aguardo pelos dados fechados de 2024 “para um diagnóstico da situação fiscal do país, que continua sendo um dos grandes riscos para o real no curto prazo”.